A dimensão ambiental dos ODS

No segundo evento do projeto ambiental Diálogos do Pontal – Agenda para o Desenvolvimento Sustentável, realizado no dia 24 de abril de 2024, especialistas discutiram as principais questões da região sob a ótica dos ODS mais ligados aos temas ambientais, que são: ODS 6 (Água Limpa e Saneamento), ODS 13 (Combate às Alterações Climáticas), ODS 14 (Vida Debaixo D’Água), ODS 15 (Vida Sobre a Terra).

O jornalista Dal Marcondes destacou que é preciso tomar decisões sobre os caminhos que a nossa civilização seguirá daqui para a frente. Essa não é uma tarefa apenas do governo federal, mas um compromisso de toda a sociedade brasileira com a comunidade do planeta Terra. Até 2030 essas metas deverão ter sido atingidas por todos os países.

O jornalista salientou ainda que “todos os 193 países que assinaram a Declaração dos ODS, todos os países-membros da ONU, concordaram com os ODS como métrica de desenvolvimento. Como um dos signatários desse pacto, o Brasil compromete-se a desenvolver políticas públicas e ações que permitam atingir as metas. Essa não é uma tarefa apenas do governo federal, mas um compromisso de toda a sociedade brasileira com a comunidade do planeta Terra. Até 2030 essas metas deverão ter sido atingidas por todos os países”.

Entretanto, isso não deverá ocorrer caso inexista um esforço concentrado, pois diversos tópicos debatidos ao longo dos anos e em compromissos anteriores estão atrasados. A dimensão ambiental, principalmente, que é composta de quatro dos ODS.

Como o de ter água limpa e saneamento, previsto no ODS 6, que traça metas de proteção e gestão da água e de implantação de sistemas de saneamento básico. Entre essas metas estão a universalização do acesso a água potável e a ampliação de serviços adequados de captação e tratamento de esgoto, até 2030.

Há outras metas no ODS 6, mas o importante é compreender que a água e o saneamento básico são muito mais do que um direito humano fundamental. Nenhuma sociedade conseguiu evoluir social e economicamente sem ter essas duas metas atingidas. Os países considerados desenvolvidos têm esse problema já resolvido.

Além de um direito humano, a água de boa qualidade é um insumo fundamental para o desenvolvimento econômico. Nenhum produto industrial ou agrícola pode ser produzido sem esse recurso. Além disso, água de má qualidade é um dos maiores vetores de doenças do nosso tempo.

O segundo ODS é o 13, que trata de mudanças climáticas, um dos mais importantes desafios do nosso tempo: evitar que a temperatura média da Terra continue a subir. É necessário trabalhar para manter um patamar de estabilidade, com alta de temperatura média do planeta não superior a 1,5°C.

“Há muitos cientistas afirmando que não vamos conseguir mais atingir essa meta e que já estão olhando para o patamar de 2°C. As mudanças climáticas já chegaram e estão nos atingindo”, alertou Dal Marcondes.

O ODS 14 trata da vida sob a água. É sobre o ambiente onde surgiu a vida na Terra e que é, ainda hoje, o habitat de maior diversidade do planeta. Por fim, o ODS 15, que é sobre o habitat da humanidade, assim como de milhões de outras espécies animais e vegetais. Todos precisam de um ambiente limpo, despoluído, fértil e seguro para viver e reproduzir-se. Esse é o habitat das principais atividades econômicas da humanidade.

O objetivo dessa série de diálogos é aprofundar o conhecimento sobre os ODS e as oportunidades que eles oferecem para a construção de uma economia baseada na sustentabilidade com foco no futuro. Este século apresenta inúmeros desafios para a humanidade e já existem instrumentos necessários para fazer os diagnósticos dos problemas e a tecnologia para superá-los.

“Não há limites para o desenvolvimento a partir de premissas de sustentabilidade e de responsabilidade socioambiental. Agora é uma questão de vontade política e de ter os instrumentos necessários para resolvê-los”, ressaltou o jornalista.

Ação regenerativa no Pontal

Um dos exemplos de iniciativas que atendem os ODS ligados a temas ambientais é o do Instituto Ipê, uma das maiores organizações socioambientais do Brasil, como explicou sua representante, Andrea Travassos.

“A história do Ipê no Pontal do Paranapanema é um tanto exitosa, porque há 20 anos temos feito um trabalho que, a princípio, denominamos como sendo o ‘mapa dos sonhos’ – olhar para a região do Pontal, para o Morro do Diabo, que é um dos últimos vestígios de Mata Atlântica do interior e onde existe um mico-leão-preto, e olhar para todos esses fragmentos florestais do território buscando uma conexão do Parque Estadual com eles”, detalhou a coordenadora do Ipê.

Ao longo desses 20 anos, o Ipê plantou sete milhões de árvores, formando o maior corredor de Mata Atlântica do bioma, que alcança 12 quilômetros de extensão. Além de implementar esse corredor, o Instituto tem feito um trabalho muito importante de monitoramento dessa implementação. Isso representa uma contribuição diretamente ligada com o ODS 13 e com o ODS 15, mas também sem perder o foco na conservação da água, porque, quando se trabalha a proteção da floresta, indiretamente também se está protegendo a água que infiltra no solo.

Crise civilizatória e ambiental

Pedro Ivo, da Alternativa Terrazul, explicou que a entidade atua com políticas públicas e advocacy. Neste encontro, está também representando o Observatório do Clima.

“Eu quero falar primeiro sobre a questão climática. Nós vivemos hoje o que o nosso grande teórico e ativista socioambiental, Leonardo Boff, e outros intelectuais já disseram. Temos uma crise civilizatória e essa crise é multifacetada. Ela é uma crise social, política, econômica, ambiental, ética, ou seja, nós estamos numa mudança de período, em que a civilização que nós construímos está precisando ser substituída por uma outra civilização que considere a sustentabilidade e o meio ambiente como o seu centro”, destacou.

O tema foi bem discutido na Eco-92, entretanto, a questão ambiental não começou em 1992, mas sim com o acidente nuclear no Japão, na década de 1970. Na verdade, salientou Pedro Ivo, já tivemos visionários importantes que deram uma contribuição decisiva para o tema ambiental, como, por exemplo, José Bonifácio.

Segundo ele, Dom Pedro II também deu uma contribuição, não só com o Jardim Botânico, mas também porque ele foi fundamental para recuperar a Floresta da Tijuca, que está até hoje de pé. Além de outras contribuições, como a do Chico Mendes, que em 1988, portanto antes da Eco-92, criou o conceito de socioambientalismo e aprovou, em um congresso da CUT, a ideia das reservas extrativistas, que hoje viraram políticas públicas. Portanto, a questão ambiental no Brasil e no mundo não é uma novidade, ao contrário de discursos que afirmam isso.

No entanto, foi na Eco-92 que se falou fortemente de aquecimento global, em mudança climática. Foi naquele evento que se falou de forma mais avançada sobre desenvolvimento sustentável, porque esse conceito já estava presente na Conferência de Estocolmo, mas ainda muito embrionário. Também foi nele que, pela primeira vez, se falou que era necessário mudar para um outro modelo de desenvolvimento e para isso teríamos que usar a Agenda 21.

“Portanto, estamos no ápice dessa crise civilizatória. O que acontece com o clima é que ele é o elemento mais preocupante dessa crise que se manifesta em outros aspectos, como no desmatamento, na poluição do ar e dos oceanos, e tantos outros”, alertou Pedro Ivo.

A mudança climática é global, estrutural e duradoura e ela pode ser provocada tanto por efeitos naturais como por ação humana. No nosso caso, uma maioria esmagadora dos cientistas afirma que ela é provocada pelo nosso modelo de desenvolvimento, sendo, portanto, uma ação humana. Quando isso se articula com outros elementos, como por exemplo, o El Niño e o La Niña, a situação se torna mais catastrófica. Portanto, o que nós chamávamos de aquecimento global, agora temos que chamar de emergências climáticas. Essas emergências fizeram com que 2023 fosse o ano mais quente das últimas décadas, com desastres no Brasil e no mundo como nunca vimos antes.

O ponto de não retorno

Desde o Protocolo de Kioto que se estabeleceu que não se deveria ultrapassar 1,5°C na média global de temperatura. Segundo dados oficiais científicos, a média atual está em 1,2°C e todas as avaliações são de que, daqui a seis a dez anos, será ultrapassado o “ponto de não retorno”, que é quando o clima estará mudado de tal forma que acontecerão transformações catastróficas no nosso planeta, como, por exemplo, o derretimento das calotas polares.

Infelizmente, nada leva a crer que essa tendência vai mudar. Já se aproxima a 29ª COP, que será mais uma vez num país petroleiro, e, em 2025, acontecerá a COP30 no Brasil, em Belém, na Amazônia. No entanto, apesar das COPs reconhecerem o problema do clima e os países se mobilizarem, pouco se avançou.

Soluções apresentadas são insuficientes

As saídas que as COPs e a maioria dos governos europeus estão apresentando são soluções de mercado e elas são insuficientes, porque o problema do clima está relacionado com o modelo de produção e consumo.

O desenvolvimento sustentável é um conceito que une muitas organizações, muitos setores, mas que não quer dizer a mesma coisa para muitas dessas instituições. Existe uma percepção de desenvolvimento sustentável parâmetro, que é a da ONU, que trabalha com três elementos apenas, mas existem outras visões sobre desenvolvimento sustentável, como as do Banco Mundial, de outros bancos, dos movimentos sociais, das ONGs.

Portanto, a própria visão de desenvolvimento sustentável também é um conceito em debate. Para aprofundar este debate, é importante a leitura da Carta da Terra, um documento aprovado numa grande discussão mundial em uma rede mundial de quatro mil organizações, que fala de uma visão de sustentabilidade que deveríamos ter como parâmetro, porque ela é visionária. Em 2000, a Carta da Terra já havia rompido com a ideia antropocêntrica. Ela não fala só em comunidade humana, mas que somos uma comunidade de vida, na qual tudo precisa estar em equilíbrio.

Os ODS são uma ferramenta fundamental, embora limitada, porque antes deles tivemos as Metas do Milênio e antes ainda a Agenda 21, que é muito mais completa que os ODS. Entretanto, infelizmente não conseguimos implementar a Agenda 21, então a ONU fez um processo mais pragmático e constituiu os ODS.

Segundo dados da ONU, nem um terço dos ODS foram colocados em prática em nível mundial. No Brasil, o balanço é ainda mais negativo, porque a implementação dos ODS foi suspensa pelo governo anterior, que desconstruiu a Comissão Nacional dos ODS, segundo Pedro Ivo.

Entretanto, os ODS devem ser ampliados para suportar as demandas planetárias e humanas crescentes. A Comissão Nacional dos ODS do Chile apresentou uma proposta de criar o 18º ODS, que seria contra a discriminação racial, uma lacuna nos ODS vigentes.

Um ODS contra a discriminação étnica e outro para a infância

“Além do 18º, eu sou favorável, e já conversei com muita gente sobre isso, à criação do 19º ODS, que seria sobre infância e juventude, porque também não tem nenhum regramento que trate especificamente de infância e juventude nos ODS”, destacou Dal Marcondes. “Uma coisa que repito há anos é que não existe nenhum problema ambiental que não tenha origem em uma decisão econômica. Portanto, a nossa economia deve ser o foco de atenção para que a gente possa fazer uma virada civilizatória. O economista Ignacy Sachs disse que nós temos que ter a humildade de reconhecer que o que estamos fazendo não está dando certo e temos que ter a coragem de mudar para algo que seja de fato comprometido com o futuro do planeta e da vida na Terra”, enfatizou.

Assista ao vídeo do evento: